terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A POLÊMICA CONSTRUÇÃO DE UMA REPRESA NO RIO CAQUENDE

No início do Século XIX a população da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira viu-se envolvida numa grande polêmica que assumiu grandes proporções, atravessou o Atlântico e só foi resolvida mediante a intervenção do Conselho Ultramarino, em Lisboa. Este órgão, criado em 1762, era  o principal mecanismo pelo qual o Reino de Portugal  administrava todas as matérias e negócios relativos às suas colônias, entre as quais estava o Brasil. Entre suas competências destacavam-se a administração da Fazenda, a decisão sobre o movimento marítimo para a Índia, África e para o Brasil, definindo as embarcações, a equipagem e as armas, o provimento de todos os cargos civis, militares e eclesiásticos e a orientação dos negócios relativos à guerra. Passavam, ainda, pelo Conselho Ultramarino,  as remoções, transferências e principalmente os requerimentos de mercês (benefícios concedidos a quem prestava serviços à realeza).

A polêmica foi iniciada quando o rico proprietário  Manoel Jacinto de Sampaio e Mello, senhor do Engenho São Carlos, pretendeu represar a água do Rio Caquende para aumentar a sua produção de açúcar. Houve protestos de outros produtores que se sentiram prejudicados e a  vila se dividiu. A questão foi parar inicialmente em mãos do Corregedoria  da Comarca da Bahia (uma espécie de Ministério Público atual), que mandou a Câmara de Cachoeira apurar os fatos e ouvir os "oficiais", através de uma espécie de "audiência pública" como se faz nos dias atuais, só que restrita a poucos.

O Caquende, juntamente com o Pitanga, são dois rios que nascem em Cachoeira, afluentes do Rio Paraguaçu. A vila  nasceu entre eles e em torno de suas margens foram implantados os primeiros engenhos de açucar. Outrora  caudolosos, movimentavam o equipamento conhecidos como roda d'água, um dispositivo circular montado sobre um eixo, contendo na sua periferia caixinhas ou aletas dispostas de modo a poder aproveitar  a energia hidráulica como força motriz para moer a cana nos engenhos. Essa tecnologia  inovadora para a época, diminuía a necessidade da mão-de-obra escrava. Ambos os rios forneciam peixes e mariscos à população pobre. Hoje em dia, o Caquende e o Pitanga são quase filetes de água que em seu trajeto pelas ruas de Cachoeira recebem lixo e esgotos  da cidade. As matas ciliares foram dizimadas e suas margens criminosamente ocupadas. As últimas e atuais gerações de  cachoeiranos com suas ações e práticas predatórias  transformaram o Caquende e o Pitanga  em praticamente esgotos a céu aberto. Eles são hoje o retrato vivo de um crime. Não só  ambiental mas contra a própria história de Cachoeira, o seu maior patrimônio.

Mas vamos à polêmica, tal como está registrada no Volume 37 dos Anais da Biblioteca Nacional, situada no Rio de Janeiro.  


 
   

Por último, a decisão sábia do Conselho Ultramarino: autorizava que fosse retirada água do Caquende para utilização no Engenho São Carlos, mas "deixando a [quantidade] necessária para o uso público".