domingo, 28 de março de 2010

O TABACO DA VIRGÍNIA CHEGA A CACHOEIRA

Após mostrar (ver postagem anterior) como a cultura do fumo foi trazida a Cachoeira pelo espanhol  André Moreno, no ano de 1784 este blog apresenta outra raridade: a introdução em Cachoeira de um outro tipo de tabaco, mais nobre e oriundo da Virgínia , no sudeste dos Estados Unidos. Neste estado norte-americano foi cultivado, pela primeira vez em grande escala, o  plantio do tabaco. No ano de 1612 o colonizador inglês John Rolfe trouxe mudas de tabaco, que começou a cultivar na recém-instalada colônia da Virgínia. No mesmo ano, casou-se com a princesa índia Pocahontas. Com a ajuda da tribo dela e a venda da erva, a colônia tornou-se sustentável, graças principalmente à exportação para  Inglaterra e à disseminação mundo  afora do hábito de fumar. O tabaco oriundo dessa região foi, durante mais de dois séculos, um dos principais sustentáculos da economia dos Estados Unidos e se transformou em referência mundial de qualidade. 

Os dois documentos, retirados dos Anais da Biblioteca Nacional (Volume 37 páginas 447 e 448) mostram que na Fazenda do Manã o lavrador Francisco Pinheiro Alves de Souza relata ao Juiz de Fora da Vila as experiências exitosas que havia feito com o fumo da Virgínia no solo cachoeirano. 

No documento seguinte é o próprio  Conde da Ponte (João de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes Brito) - o mesmo governador que no ano seguinte faria a recepção da Família Real Portuguesa que fugiria para o Brasil - quem comunica ao  Visconde de Anadia  (João Rodrigues de Sá e Mello), então Secretário de Estado da Marinha  e do Ultramar, sobre a cultura do tabaco Virgínia na região de Cachoeira.





A curiosidade é que escritores como Gilberto Freyre e Joaquim Nabuco, notáveis intérpretes da história e da evolução sócio-econômica e cultural do Brasil, referem-se à Bahia como a "Virgínia Brasileira" mostrando semelhanças entre ela e o estado americano para a história dos respectivos países.

Assim como a Bahia - onde o Brasil foi descoberto e iniciou-se a colonização portuguesa  - a Virgínia foi onde se implantou o primeiro núcleo da colonização inglesa na América, o primeiro assentamento permanente  de britânicos.  E também receberam grandes levas de escravos oriundos da África para trabalhar em suas lavouras. Outra semelhança é que a Virgínia foi uma das treze colônias que se rebelaram contra o domínio britânico, dando início à guerra pela Indepedência dos Estados Unidos, conquistada em 1776.  A Bahia,  como sabemos, foi onde começou e terminou a guerra pela Independência do Brasil.  

Assim, além da relevante importância histórica para seus países, Bahia e Virgínia foram grandes produtores e exportadores de tabaco, atividade econômica que teve papel decisivo na formação de suas elites.

domingo, 21 de março de 2010

A CULTURA DO FUMO EM CACHOEIRA FOI IMPLANTADA POR UM ESPANHOL

A cultura do fumo, que tanta riqueza e opulência trouxe para Cachoeira  nos séculos XVIII, e XIX,  sendo inclusive um dos principais ciclos econômicos do Recôncavo Baiano, foi trazida à Bahia  pela ação de um espanhol, André Moreno. Os anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro registram a documentação inicial encaminhada  pelo empreendedor a Martinho de Mello e Castro (1716-1795), político, ministro e diplomata  que desempenhou cargos de grande relevo na estrutura burocrática do governo português.  Martinho de Mello e Souza  era  nessa época Secretário de Estado da Marinha e do Ultramar. Nesse condição cuidava da administração dos interesses de Portugal fora do território europeu, como era o caso das colônias. Martinho de Mello e Souza promoveu a reforma  do sistema colonial português e , mais tarde, veio a ser primeiro-ministro da Rainha D. Maria I, a Rainha Louca, mãe de Dom João VI.




Por ser espanhol, André Moreno pede também que lhe seja dispensada a exigência de  nacionalidade portuguesa para se habilitar a ser deputado na Mesa de Inspeção. Tratava-se de um órgão fazendário com a função  reguladora,  cabendo-lhe disciplinar o comércio, o exercício das  atividades de compra e venda de determinados bens, aferir sua qualidade para a exportação  e fiscalizar todas as etapas de determinadas atividades econômicas (enfim, o papel  desempenhado atualmente pelas agências  de energia elétrica, de  aviação comercial, de telecomunicações , de águas e de vigilância sanitária). Os membros integrantes desse órgão eram chamados deputados, pois  representavam aquele determinado segmento.

A Mesa de Inspeção do Acúcar da Bahia (e mais tarde também do Tabaco), por exemplo,  foi  implantada em 1751. Dispunha de um numeroso quadro de funcionários e  de um grande trapiche (armazém) chamado Alfândega do Tabaco. Em 1808 o baiano  José da Silva Lisboa  era um dos dirigentes da Mesa e  nessa condição foi quem aconselhou D. João VI a emitir a célebre Lei de Abertura dos Portos  brasileiros ao comércio exterior. Mais tarde ele  recebeu a comenda de Visconde de Cayru.
 

quinta-feira, 18 de março de 2010

A ATUAÇÃO DE SÍLIO BOCCANERA JR. NA IMPRENSA CACHOEIRANA

A atuação do jornalista Sílio Boccanera Júnior (1863-1928) na imprensa cachoeirana ocorre em meados da década de 80 do século XIX. Ele morou em Cachoeira durante cinco anos, época em que exercia o cargo de secretário da Superintendência da  Brazilian Imperial Central Bahia Railway, empresa que implantou e explorava o transporte ferroviário na Bahia. Sílio acabara de formar-se em Engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro ,  volta à Bahia e este foi seu primeiro emprego. Jovem,  logo engajou-se nas causas que encantava a sua geração, principalmente a luta pela   abolição da escravatura.  Tinha 25 anos e já se destacava pelo dom da oratória e textos candentes  que escrevia para o  jornal O GUARANY,  fundado e dirigido por seu amigo Augusto Motta. Quando este morre, aos 28 anos, Sílio Boccanera  Jr. faz-lhe a última homenagem com este discurso pronunciado à beira do túmulo, em 28 de janeiro de 1888.


   (clique nas imagens para facilitar a leitura)


Esta é a página 5 da edição especial de O GUARANY, de 9 de fevereiro de 1888. A primeira após a morte de Augusto Motta e totalmente dedicada a ele. Outros panegíricos e textos laudatórios foram escritos por Cincinato Franca, Genésio Pitanga, Cardoso de Faria e L. Leal.

Eis a primeira página desta edição do jornal:



 

quarta-feira, 17 de março de 2010

SÍLIO BOCCANERA JÚNIOR COMEÇA A CARREIRA DE JORNALISTA EM CACHOEIRA

Sílio Boccanera Júnior (1863- 1826) foi um jornalista, dramaturgo  e escritor baiano que dedicou sua vida a pesquisas sobre a  história da arte e das tradições da Bahia. Iniciou sua carreira em Cachoeira, onde foi morar logo após ter se formado em engenheiro pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em Cachoeira ele morou cinco anos, sendo secretário da Superintendência da Brazilian Imperial Central da Bahia Railway. Nesse período integrou  o grupo de intelectuais e jornalistas da cidade, engajando-se na luta abolicionista ao lado de Augusto Motta (fundador do   jornal O GUARANY), Cincinato Franca, Tranquilino Bastos e outros. Foi em Cachoeira que Sílio Bocannera iniciou-se nas letras escrevendo artigos em O GUARANY.

Este é o verbete sobre Sílio Bocannera Jr. - que é avô do jornalista de mesmíssimo nome que foi correspondente da Rede Globo de Televisão na Europa e atualmente apresenta um programa na Globonews - publicado no livro Intelectuais e Artistas Baianos - Breves Biografias,editado pela Prefeitura de Salvador, em 1977.

domingo, 14 de março de 2010

A FESTA DO ANIVERSÁRIO DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE CACHOEIRA

 Neste sábado, 13 de março, Cachoeira comemorou o aniversário de sua emancipação política com uma sessão solene na Câmara de Vereadores, que teve como orador oficial o jornalista Jorge Ramos, editor deste blog. Em seu discurso, ele enalteceu a importância de Cachoeira para a História do Brasil e destacou filhos ilustres da cidade, "entre a vasta galeria e gerações de homens e mulheres talentosos que Cachoeira legou à Bahia e ao Brasil". Foram destacadas, do passado, as figuras do abolicionista André Rebouças, do maestro Tranquilino Bastos e do jornalista Simões Filho. Da época atual, foram enaltecidos pelo orador  o poeta Damário da Cruz, o músico Mateus Aleluia e a deputada federal Lídice  da Matta.



Eis a íntegra do discurso:
Senhoras, Senhores e Jovens de Cachoeira

Saúdo, em especial, as personalidades e  autoridades, aqui presentes ou representadas.

Convém registrar,  em primeiro lugar, o agradecimento sincero pelo honroso convite para aqui estar convosco, dialogando sobre Cachoeira, seu passado histórico, seu presente vivificado e seu futuro que  esperamos construir de maneira socialmente justa para que venha a ser amplamente venturoso e sustentável.

Ouso aqui, talvez inspirado na vasta galeria de gerações de homens e mulheres talentosos que Cachoeira produziu, recorrer ao sábio francês  Voltaire -  filósofo do Iluminismo, adorador das liberdades civis e crítico mordaz de todas as formas de tirania e preconceitos - lembrando de um trecho do discurso que ele proferiu ao tomar posse na Academia Francesa, em 1746. Disse Voltaire: Que me seja permitido, senhores, entrar aqui convosco, em discussões literárias; minhas dúvidas se valerão de vossas decisões. É assim que poderei contribuir para o progresso das artes; e eu gostaria mais de pronunciar, perante vós, um discurso útil do que um discurso eloquente.”

O ambiente austero deste Salão, - onde aqui pisaram os dois imperadores Dom Pedro I e Dom  Pedro II, presidentes, ministros,  governadores, deputados e senadores -  inspira-me a buscar forças e energia para tentar sintetizar num discurso útil, como disse Voltaire, as múltiplas páginas de exemplos fartos, de homens e mulheres, guerreiros e artistas, que através de 312 anos construíram Cachoeira. Sei que este é um desafio hercúleo, pois tantos e grandiosos são os fatos históricos, quão  poucos e limitados são os nossos recursos.

Sim, são 312 anos de  história  que Cachoeira, essa jóia do patrimônio histórico brasileiro,   deveria estar comemorando.  Nossa  cidade tem o sortilégio de ter muitas datas para brindar e festejar. Hoje aqui, neste 13 de março, festejamos apenas os 173 anos de sua emancipação política. Mas, em verdade, deveríamos festejar muito mais  o 29 de janeiro de 1698 quando foi criada a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Aí sim, começa a nossa história documental.  Ademais, temos outra data, essa mais que expressiva : o Glorioso 25 de Junho, de indiscutível e inegável relevância para a própria História do Brasil. Eis aqui, retratado através do traço genial de Antonio Perreiras, uma representação da epopéia cachoeirana. A licença poética permitiu ao artista representar numa única cena três episódios que aconteceram em momentos distintos: a Aclamação de Dom Pedro, feita  na manhã do dia 25, aqui da sacada desta Câmara,  o bombardeio da vila e a morte do Tambor Soledade, nas horas seguintes, e a barca invasora, em frangalhos pois fora tomada pelos cachoeiranos no Paraguaçu, fato que só viria a ocorrer três dias depois. E uma curiosidade histórica: este quadro, cópia reduzida do que está no Palácio Rio Branco em Salvador, foi encomendado a Parreiras pela  Intendência  Municipal,  mas curiosamente jamais foi pago. O quadro maior fora  encomendado pelo Governador Vital Soares em 1928. Parreiras veio pessoalmente a Cachoeira e aqui passou pouco mais de um mês encantando-se com o acervo da cidade, notadamente o belo conjunto da Ordem Terceira, que ele confessa não ter visto igual, nem mesmo no Vaticano. Está  relatado em sua autobiografia "História de Um  Pintor."
Os dois quadros só foram  concluídas e entregues três anos depois, quando o Brasil vivia em plena ebulição decorrente da Revolução de 1930, que alterou brusca e radicalmente a estrutura político-institucional do país, com a deposição dos governadores e de todos os intendentes. O fato é que é essa transição impossibilitou  que a municipalidade honrasse o pagamento da obra que representa a sua data magna. Mas Parreiras, o maior pintor histórico desse pais,  tem nosso agradecimento eterno, por ter sido justo e generoso com esta cidade, dando a este quadro o título que  bem o sintetiza :
Primeiro  Passo para a Independência do Brasil. 
E, de fato, o 25 de Junho tem este significado..   

25 de Junho, que por esforços e empenho de uma cachoeirana valorosa, a deputada Lídice da Mata, hoje é também uma data histórica para todo a Bahia. Foi dela a idéia de criar umaa lei estadual que transforma nossa Cachoeira, a cada ano nessa data, em  sede do governo estadual.  25 de Junho que,  este ano, por ironia do calendário gregoriano,  vai coincidir com outro embate entre brasileiros e portugueses. Mas desta vez a batalha  será outra !

Se em 1822 o bombardeio da então Vila por tropas portuguesas ancoradas no Paraguaçu marcou o início da luta armada pela Independência do Brasil, passados  188 anos Brasil e Portugal voltarão a se enfrentar num 25 de Junho, num campo não de batalhas mortais. Desta vez será num campo de futebol, em partida pela Copa do Mundo. O esporte, demonstra mais uma vez - juntamente com a arte e a educação  - ser o caminho óbvio para a obtenção da Paz. Nunca nos esqueçamos disso, se quisermos ajudar o nosso futuro; as nossas crianças e jovens a ser livres de todas as formas de violências. Não seremos dignos jamais de nosso passado glorioso, se não construirmos no presente os alicerces para um futuro onde os  jovens de hoje  venham a ter uma sadia e construtiva convivência e aprendam a ser cidadãos que construam o desenvolvimento em todas as suas formas e a paz em todas as sua virtudes.

A data de hoje, senhoras e senhores, registra o aniversário da Lei Provincial nº 43, com que o Presidente da Província da Bahia, Francisco  de Souza Paraíso, elevou Cachoeira e Santo Amaro – no mesmo diploma , sim – à condição de cidades. Na mesma lei, Cachoeira recebeu o título de Cidade Heróica e Santo Amaro,  o de Cidade Leal. Paraíso, que nascera em 1793 em Salvador e se formou em Direito na Universidade de Coimbra, tinha 44 anos e já ocupara cargos de juiz e desembargador do Tribunal da Bahia. Seu tumultuado governo  foi abreviado pela revolta da Sabinada, que desafiou o Império e buscou para  a Bahia uma autonomia federativa.  Enquanto Salvador esteve em mãos dos rebeldes, o governo da Província se instalou em Cachoeira e daqui do  Recôncavo partiu a reação e os revoltosos foram dizimados.  Mais tarde, Francisco Paraíso veio a ser deputado  e Ministro da Justiça,  quando assinou com o Regente Diogo Feijó a primeira lei que estruturou os cursos elementares do Brasil. Morreu em 1843 como Senador do Império,  representando a Bahia.

Como legislador ele teve atuação significativa, assim como devem ter todos os que recebem do povo a representação política. É inspirado nele que apelo aos atuais legisladores e gestores, como legítimos representantes do povo cachoeirano -  a quem incumbimos da administração da  nossa cidade - para que usem a vossa energia criativa em prol de políticas públicas voltadas para causas nobres como a educação e seus necessários complementos na construção da cidadania:  a arte, a cultura e o esporte.   Todos deram em passado recente muitas alegrias aos cachoeiranos. Refiro-me, sem desdouro de outros talentos,  aos Tincoâs, de Dadinho  e Eraldo – já falecidos – e, nunca é demais citá-lo como artista maior que é,  Mateus Aleluia, orgulho de nossa terra e nossa gente.

No esporte tivemos a épica Seleção de Cachoeira a brilhar no futebol amador da Bahia. Outro destaque do esporte cachoeirano foram - passadas várias décadas ainda guardo na retina as lembranças -  as  competições de remo a embelezar as águas  de um Paraguaçu festivo.

Paraguaçu, um rio que passa em nossa história ! Através dele adentrou-se o sertão e Cachoeira, encravada estrategicamente no seu último percurso navegável, servia de entreposto. Já no final do século XVII no século XVIII, éramos uma  rota  da Estrada Real, ligando as Minas Gerais à Cidade da Bahia, para daí  embarcar o ouro e pedras preciosas da Colônia para servir de sustentáculo à Metrópole, para sustentar a corte de Lisboa.

Falava agora das lembranças da infância associadas ao Paraguaçu e nenhuma delas é tão viva quanto a de exatamente 50 anos atrás.  Nessa mesma data,  em 13 de março de 1960, Cachoeira estava praticamente submersa naquela que é sem exagero daquele garoto de cinco anos que a guardou na retina, senão a  maior mas umas das maiores enchentes que esta cidade já viveu e sofreu. Aqui, embaixo, nas escadarias desse mesmo prédio tricentenário abrigaram-se dezenas de famílias, também assim o fora nas igrejas e escolas situadas em pontos altos, na Estação e no Ginásio. Cachoeira, qual uma Veneza barroca incrustada na paisagem colonial do Recôncavo, era  tomada  pelas águas do rio. A Enchente de 60 foi um marco que trouxe graves consequências, cruéis e devastadoras para a cidade, seu patrimônio  e sua economia. A ela sucedeu-se um vertiginoso esvaziamento  desta  cidade.

São lembranças de uma época que muitos de nós, os que vivemos há mais de cinco décadas  bem estimamos, porque assistimos no tempo seguinte à lenta agonia e a decadência econômica, pondo em risco nossos bens patrimoniais. À estagnação que se seguiu, veio também um certo encolhimento e Cachoeira foi posta numa espécie de redoma: este mesmo patrimônio, o casario colonial, seu acervo de bens imobiliários pareceu congelar no tempo e,  contraditoria e repentinamente, o que aparentava ser atraso, transformou-se em fator de redenção décadas mais tarde. Mas, se Cachoeira entrou em um longo declínio, a  esperança de nossa geração jamais decaiu. Acreditávamos sempre que através da cultura e do conhecimento, esta cidade voltaria a resgatar os seus tempos de glória. Tempos em que servia de referência para a  Bahia e o Brasil.  E a referência era o seu patrimônio. Esse mesmo que lhe possibilitou ser reconhecida como Cidade Monumento Nacional.     

Este é mais um título que Cachoeira orgulhosamente ostenta.  Em janeiro próximo completa-se 40 anos do decreto presidencial que assim definiu nossa cidade.  É   oportuno que o poder público local se mobilize junto a outras instâncias como  os órgãos estaduais e federais que têm a missão de proteger o patrimônio material e imaterial, as instituições como a Fundação Pedro Calmon, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, o IPAC e o SPHAN,  a academia, os estudantes, os pesquisadores para realizar  um evento comemorativo, que sirva de reflexão,  serena e racional, sobre o futuro que queremos construir para esta cidade e traçar as suas diretrizes. 

Quando da criação da Universidade Federal do Recôncavo – obtida e garantida durante o governo do Presidente Lula – Cachoeira estava a postos,  com seu ainda formidável acervo de referências históricas, para ser  a cidade símbolo da vertente humanista dessa academia. Orgulha-me ver nossas ruas e bares, ao entardecer, ocupadas por hordas de jovens, com suas vestes , hábitos e linguagens, após saírem das salas e laboratórios, a discutir nos jardins  e praças,  cinema e filosofia, artes e história, jornalismo e liberdade.

Esta fase presente, aliada ao seu glorioso passado, faz Cachoeira tornar-se  candidata em potencial a receber nos próximos dias o título de Capital Cultural da Bahia.
 
O livre-pensar,  atributo  típico dos  jovens, aliado à sistematização de conhecimentos, produz em todas as partes e épocas, avanços significativos para as sociedades. E assim caminha a juventude em Cachoeira ...

E  muitos deles têm conseguido superar os  obstáculos para obter acesso ao ensino superior somente graças às consistentes políticas de inclusão social com que nosso Brasil começa a reparar males causados a populações inteiras que foram marginalizadas ao longo da sua história.

Quando estive em África, durante um ano, a trabalho, conheci e vivenciei o dia a dia doloroso e muitas vezes cruel de uma parte da população negra. Em Angola, de onde vieram  em grande número legiões de escravos maltrapilhos e famintos que aqui na região foram usados nas lavouras da cana e do fumo, nos engenhos e nos armazéns de fabrico, conheci uma gente irmã e uma paisagem humana parecida com a do Brasil, a da Bahia, a de Cachoeira. Ambos, os negros e negras  de Angola e os de nossa terra têm antepassados comuns. Em comum também, a tragédia da escravidão, a nódoa maior da história do nosso país.  

Essa mesmo história do Brasil, repito, que passa por Cachoeira. Desde os tempos coloniais,  dos engenhos que geravam o açúcar, parte da riqueza que abastecia a Metrópole Portuguesa e,  internamente, só beneficiava a elite escravocrata. E na luta contra esse sistema concentrador e excludente, profundamente injusto e impiedoso para com a população negra e pobre, destacou-se um    cachoeirano, de quem muito deveríamos nos orgulhar de ser conterrâneos e que estranhamente pouco ou quase nada conhecemos: André Rebouças. Ele que foi considerado por Joaquim Nabuco “o mais universal homem que conhecera” é infelizmente pouco conhecido até em Cachoeira.  Radical em seu abolicionismo, pacifista, engenheiro e empreendedor ocupado sempre em iniciativas voltadas ao bem comum, André Rebouças sofreu em sua pele negra o odioso golpe do racismo, mas jamais desistiu. Contrariou e enfrentou na atividade empresarial poderosos e mercenários interesses. Cachoeira deve a esse homem de idéias humanistas e ações consequentes, pelo menos um busto em praça pública. Seu nome deveria ser cultuado nas escolas, e deveria ser ensinado às crianças e aos jovens  dessa cidade que um de nossos conterrâneos pregou que sem Justiça não há Paz e que a libertação dos escravos, sem uma imediata  reforma agrária – e aqui abro um parêntese para dizer que é dele a frase quem tem a terra, tem o homem - e sem a garantia de uma educação pública e de qualidade para adultos e crianças,  os negros no Brasil continuariam condenados  à miséria e à marginalidade. Infelizmente  foi o que se viu nesse país. Somente com as atuais políticas de reparação é que o sonho e o legado de André Rebouças estão sendo realizados. 

Este é um momento sublime não apenas para mim, modesto escriba e incurável curioso sobre fatos da história dessa cidade, cujas ruas me viram menino, como no dizer de um poeta.  E são tantos os poetas, daqui e de outros cantos, que se rendem aos encantos de Cachoeira ... Permitam-me citar apenas um deles, mas que bem representa a totalidade. Trata-se de um mago  das palavras, inexcedível em seu amor por esta terra. Cachoeira não teve  a ventura de ser o seu berço natural, mas foi ele quem  escolheu essa terra para viver, para criar, para dar  vazão ao seu talento e para empreender cultura.  Aqui ele fez o seu pouso, o pouso da sua palavra e de sua emoção incontida. Damário da Cruz é seu nome. Ora adoentado, receba Damário, o abraço solidário e toda a sinergia dos cachoeiranos para ajudá-lo a superar as vicissitudes da vida. Todos que o conhecemos e o amamos,  compartilhamos de sua luta. Cachoeira lhe acolheu Damário e lhe tem como filho, pelo muito que fizestes, tem feito e ainda fará pela cultura dessa cidade. Sabemos que ele não é afeito a homenagens, mas é forçoso   reconhecer  o  simbolismo delas, para servir como bálsamo que alivia, as horas de dificuldades e de dor.

Aos meus saudosos pais, que as gerações mais velhas conheceram, o  Sr. Souza, coletor estadual e Dona Gisélia, membro da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, agradeço ter sido trazido ainda no braço, para Cachoeira, de onde saí na adolescência mas de onde nunca me afastei.  Casei-me com Ana, ligada por laços aos familiares de um dos mais notáveis cachoeiranos, o  Mastro Tranquilino Bastos, fundador da Lyra Ceciliana e autor do Hino da Cachoeira.

Tranquilino Bastos é um dos muitos  cachoeiranos que honram nossa história. Artista  talentoso, formador de várias gerações de músicos baianos  e compositor profícuo - teve obras executadas até na Alemanha – que criou mais de 800 composições,entre músicas sacras e para banda. São  dobrados, valsas, missas e outras peças que compõem este  acervo,  adquirido há trinta anos pelo Governo do Estado, e hoje encontra-se no Setor de Obras Raras da Biblioteca Central, onde está disponível para pesquisadores. Ainda este ano, esperamos lançar O SEMEADOR DE ORQESTRAS , a biografia desse homem que na noite de 13 de Maio de 1888 desfilou pelas ruas de Cachoeira à frente de uma multidão comemorando a assinatura da Lei Áurea, o fim, apenas formal, mas o fim da escravidão no Brasil. Em 1922 , por ocasião do Centenário do 25 de Junho, Tranquilino brinda a sua cidade com  a maior de suas criações artísticas : O Hino da Cachoeira, que recebeu a pincelada final do poeta Sabino de Campos. Ambos esculpiram a melodia e a letra dessa composição que  sempre arrebata de emoção o coração dos  cachoeiranos.

Se no passado, temos tantas referências históricas, a esperança do  futuro é  um germe inquieto nas  mentes e corações dos mais jovens.  Por isso mesmo, saúdo daqui os meus filhos, filhos Diego e Desirèe, que desde pequenos aprenderam a conhecer, amar  e cultuar Cachoeira. Dizem que quem sai aos seus não degenera … e como também acredito piamente no melhoramento das espécies, creio que os jovens cachoeiranos carregam a esperança de fazer pelo futuro de Cachoeira muito mais e melhor  do que nossa geração fez  futuro de Cachoeira. 


Mas dizia, antes dessa deliciosa digressão sobre a minha ligação com Cachoeira, que estar aqui é também importante para a história de uma geração de cachoeiranos que tem sabido exercitar, cada um de uma maneira peculiar mas todos igualmente fervorosos,  o amor a esta cidade, ao  ambiente histórico que permeia a sua existência. Que cultiva e exalta seus valores maiores como a Irmandade da Boa Morte e as Festas do Rosário, da Ajuda e do Monte, ora religiosas e ora profanas, seus terreiros de cultos afro-brasileiros, sua culinária benfazeja, a alegria e a criatividade de sua gente, seus segredos guardados em documentos e monumentos... enfim a Cachoeira que amamos é uma só, bela mas infelizmente, às vezes maltratada, como demonstram o estado de seus rios. O  Caquende e o Pitanga outrora piscosos e correntes,  hoje transformados em quase  esgotos a céu aberto, com suas margens ocupadas indevidamente, recebendo dejetos,   e seus leitos assoreados. Mas nunca é demais sonhar em virar esse jogo: retirar os esgotos e recuperar as suas margens. Mas isso pode e deve ser sonhado juntos, principalmente, mas não apenas, pelos jovens, motores das transformações sociais, políticas e econômicas. E obviamente ambientais. Todos somos responsáveis ! .

Ainda embevecido por essa oportunidade que os senhores me deram,  agradeço a todos aqui presentes, amigos e conterrâneos , especialmente à minha querida amiga e colega jornalista Alzira Costa. Com  ela e com muitos outros de nossa geração, como Manuca Passos Pereira, Luiz Cachoeira, Gildete Calumby, Zezinho Lopes, Zé Pinheiro, Cal Passos, Lídice da Mata,  Enéas Rocha e muitos outros aqui presentes, lutamos ombro a ombro,  combatendo o bom combate : pela liberdade e pela democracia no Brasil, causa que a nossa geração deu seu modesto,  porém valioso, contributo. Democracia que não se faz sem o contraditório, sem o debate e sem a crítica livre. Essas, muitas vezes eventualmente podem parecer injustas. Mas justas ou injustas, necessárias, elas sempre serão. Sabemos todos que muitas vezes podemos enxergar excessos em um ou noutro cronista que se ocupe do cotidiano, às vezes perturbado, do panorama político de nossa cidade, de nosso estado e de nosso país. Mas todos, quem critica e quem é criticado, devemos cultivar a responsabilidade de nossos  respectivos papéis: respeito e tolerância, de ambas as partes são exigências para o convívio civilizado. Quem exerce funções públicas deve procurar conviver pacificamente com todos, até com quem diz coisas nem sempre agradáveis ou eventualmente injustas. Vamos, por direito, contestar nos canais próprios o que achamos inverdades, mas jamais tentar impedir, ou agredir o direito à livre manifestação.

Por isso mesmo, pemitam-me senhoras e senhores, homenagear outro  cachoeirano, jornalista de outra época. Evoco aqui a figura de Ernesto Simões Filho, que nasceu ali no Largo do Monte,  em casa vizinha à do Maestro Tranquilino Bastos. Fundador de A Tarde, Simões Filho envolveu-se com paixão e ardor nas lutas políticas de seu tempo. Eleito deputado federal, a Revolução de 1930, que citei agora há pouco, o prendeu e o exilou em Portugal. Anistiado, voltou à trincheira de sua luta política, à tribuna , ao batente e às oficinas do jornal, para liderar campanhas memoráveis em defesa da Bahia e da democracia. Novamente foi exilado e novamente voltou para sua luta, para lutar. Num desses retornos do exílio, veio visitar a sua terra, ele que saíra de Cachoeira rapazinho para ir estudar em Salvador,  fez questão de saudar  o Maestro  Bastos , que fora amigo  de seu pai. Já ancião, Tranquilino Bastos assim registrou com orgulho em seu diário no ano de 1934:  “Hoje veio me visitar o Dr. Simões Filho”.

Mais tarde, com a redemocratização do país, Simões  Filho  veio a ser Ministro da Educação no segundo Governo de Getúlio Vargas, o mesmo homem que liderara a Revolução que o perseguira duas décadas atrás. Sua atuação à frente da pasta foi bastante condicionada pela tramitação, no Congresso, do projeto de lei sobre Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que desde 1946 vinha ocupando grande espaço nas discussões sobre o assunto no país (e continuaria a ocupar até 1961, quando seria finalmente aprovada). Ainda em 1951, foi criada no âmbito da sua pasta a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, a CAPES,  que regula o modelo de extensão universitária.


Pois bem, Era o ano de 1953  e o cachoeirano Ministro da Educação muito se  empenhou  para que sua cidade natal tivesse um estabelecimento de ensino modelar para a época: o Ginásio da Cachoeira, que viria a ser inaugurado quando ele já não era mais ministro. Em um momento oportuno terei a honra de passar  às mãos do prefeito ou do Secretário de Cultura – para fazer parte do acervo iconográfico dessa cidade - fotografias  que mostram  Simões Filho e o então Governador Régis Pacheco em visita a  Cachoeira no dia festivo para a inauguração do Ginásio, há 56 anos ! Há muito a fazer em Cachoeira para homenagear e honrar o legado de Simões Filho, como por exemplo ,  implantar nessa cidade, a terra de Simões Filho, o Museu da Imprensa, pois aqui desde a época da  Independência vicejaram centenas de jornais, desde O Independente Constitucional, criado em 1823,  em plena guerra,  com tipos e máquina mandados  vir do Rio de Janeiro pelo próprio Príncipe  Dom Pedro de Alcântara, que acabara de proclamar o Brasil independente. 
Simões Filho foi um jornalista destemido, político visceral e um cachoeirano que fez história ao renovar o jornalismo brasileiro com seu espírito empreendedor. Com ele inicia-se a fase em que os jornais deixam de ser feitos quase amadoristicamente, para se tornarem empresas; ele deu dimensão empresarial ao seu jornal e o resultado está aí; a Bahia tem uma das mais bem sucedidas empresas exclusivamente jornalísticas  desse país. A Tarde, às vésperas de completar 100 anos, é fiel ao ideário de Simões Filho. Moderno e eficiente. E sempre a serviço da Bahia.

Há, entre muitos, um episódio de sua vida, bastante elucidador de seu caráter e de sua generosidade. Polêmico, odiado por uns e amado por muitos, obviamente não esteve a salvo de incompreensões. E num dia, encontra-se frente a frente com um grupo de estudantes exaltados que atacavam as suas idéias e o que ele representava. Cercado pela turba que gritava  MORRA SIMÕES FILHO !  ele respondeu, fazendo coro às palavras de ordem dos estudantes exaltados, mas emendando : MORRA SIMÕES FILHO … MAS VIVA A BAHIA !  Desconcertados, os que o apupavam ferozmente, logo o aplaudiram. Assim foi a lição de tolerância, desse grande cachoeirano, que entrou para os anais da imprensa brasileira. A personalidade do jornalista e a linha editorial do jornal que criou eram extensões mútuas uma da outra.   

A receita que Simões Filho utilizou está contida no ensinamento máximo do filósofo que citei no início dessa fala . Voltaire nos ensinou a máxima:

NÃO CONCORDO COM UMA SÓ PALAVRA DO QUE DIZEIS  MAS DEFENDO ATÉ A MORTE O VOSSO DIREITO DE DIZE-LA.

Encerro aqui este louvor a Cachoeira  apelando para que este passado valioso que aqui modestamente rascunhei, sirva a todos nós os   atores sociais, indistintamente, como ferramenta para fixar os alicerces da construção de um futuro magnífico, pois …    CACHOEIRA , SEU NOME É HISTÓRIA  !

Muito Obrigado e VIVA CACHOEIRA  !

quinta-feira, 11 de março de 2010

A LEI DA EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE CACHOEIRA




Francisco de Souza Paraíso, o  Presidente da Província da Bahia que elevou Cachoeira e Santo Amaro à condição  de cidades, era baiano de Salvador e nasceu em 1793. Estudou  na Universidade de Coimbra, onde se formou em Direito. Antes de ter sido nomeado Presidente da Provîncia foi Juiz em Penedo (AL) e desembargador do Tribunal da Relação da Bahia. Seu tumultuado governo foi abreviado pela eclosão da revolta conhecida como  Sabinada (7 /11/1837), que desafiou o Império e buscou para a Bahia uma autonomia federativa. Enquanto Salvador esteve em poder dos rebeldes, o governo da Província se instalou em Cachoeira. Do Recôncavo partiu a reação e os revoltosos foram dizimados. Mais tarde, Francisco Paraíso veio a ser deputado e Ministro da Justiça, quando assinou com o Regente Diogo Feijó a primeira lei que estruturou os cursos elementares do Brasil. Morreu em 1843 como Senador do Império, representando a Bahia.

A FOTOGRAFIA MAIS ANTIGA DE CACHOEIRA

Esta é uma fotografia rara. Foi tirada em 1860 e certamente é a mais antiga imagem fotográfica de Cachoeira. Mostra a atual Rua da Feira, que já teve várias denominações sendo a mais antiga Rua do Pasto, nome à época. Mostra  à esquerda tropas de burros descarregando em armazéns cargas  vindas do alto sertão baiano. No meio da rua,  trilhos que transportavam vagonetes  usados para facilitar o deslocamento das mercadorias.  Graças ao trem e à cultura fumageira, a cidade experimentava um franco progresso. Ao fundo, num dos últimos sobrados está hoje instalada atualmente a sede da Filarmônica Lyra Ceciliana, e ao lado deste, na construção mais baixa, viria  ser construída a fábrica de Charutos Leite & Alves, no mesmo local onde hoje está o campus da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), em Cachoeira.