terça-feira, 19 de junho de 2012

ENCHENTE DO RIO PARAGUAÇU TRANSFORMA CACHOEIRA NA "VENEZA DO RECÔNCAVO"

Este título foi inspirado na reportagem especial publicada pela prestigiada revista A CIGARRA, de circulação nacional, em sua edição do mês de agosto de 1949. Em cinco páginas a reportagem mostrou os efeitos da  enchente do Rio Paraguaçu que, no ano anterior,  cobrira parcialmente as cidades baianas de Cachoeira e São Félix. Bem ao estilo rebuscado do jornalismo praticado à época - em que predominava a veia literária do autor, em detrimento da objetividade na narrativa dos fatos - o texto é assinado pelo baiano Jacy B. Lima, vencedor de um concurso de reportagens  promovido pela própria revista. O teor da reportagem contempla sobretudo o aspecto humano da tragédia, em que milhares de famílias ficaram desabrigadas e o comércio fortemente prejudicado pela cheia. Não se sabe se os nomes citados na matéria jornalística referem-se, de fato,  a pessoas reais ou são personagens criados pela imaginação do autor - recurso muito usado no jornalismo da época -, embora pareçam verossímeis pelas situações descritas. As fotos, embora de boa qualidade, concentram-se somente na Praça Teixeira de Freitas, mostrando basicamente o Cine Teatro Cachoeirano, trechos da Rua 25 de Junho e Sete de Setembro, ao lado do Hotel Colombo, quando poderiam ser mostrados outros trechos alagados de Cachoeira. Esta mesma enchente já foi mostrada neste blogo (ver postagem UMA ENCHENTE  EM CACHOEIRA VISTA PELAS LENTES DO ESPANHOL "MANOLO", de outubro de 2010)

                                           (Para facilitar a leitura, clique nas imagens) 
Na primeira foto, destaque para o Cine Teatro Cachoeirano, em primeiro plano, que ostenta anúncios de diversos filmes e uma faixa anunciando que estava em cartaz o clássico de "capa e espada" Capitão Blood.  O filme é de 13 anos antes (1935) e foi estrelado pela dupla Errol Flyn e Olívia de Havilland. 
Nesta foto a lendária embarcação Belaniza (um saveiro adaptado)  faz o transporte de bens para um local seguro. Em dias normais ela chegou a fazer a ligação marítima Salvador-Cachoeira. Embaixo, uma canoa resgata uma família inteira.
A Pensão Marietta  funcionava na esquina da 25 de Junho com a Rua 13 de Maio. No local funcionou mais tarde a Pousada do Pai Thomaz. O Hotel Colombo já possuía os quatro andares.
O texto informa que "Bombeiros" foram deslocados de Salvador para ajudar as famílias desabrigadas. O autor aponta diversas "soluções" para o problema das cheias constantes do Paraguaçu. Uma das propostas citadas refere-se à necessiadde de construir-se uma barragem, para inclusive aproveitar o potencial elétrico do rio, o que viria a ser realidade somente três décadas depois, com a construção de "Pedra do Cavalo".
A reportagem destaca a grande importância que Cachoeira e São Félix tinham para a economia baiana e defende soluções definitivas para o problema das enchentes, que atrapalhavam o progresso das duas cidades "irmãs na desventura".

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O TRÁGICO INCÊNDIO QUE DEU ORIGEM AO NOME DA "RUA DO FOGO" EM CACHOEIRA

Embora oficialmente seja denominada Rua Rodrigo Brandão - homenagem muito justa ao militar  cachoeirano que teve um relevante papel na Guerra pela Independência do Brasil - o logradouro conhecido pelos cachoeiranos como Rua do Fogo tem este nome devido a um trágico episódio ocorrido em 1877. Mais precisamente no dia 16 de novembro daquele ano, quando um incêndio destruiu o casebre de um casal de "africanos" e causou a morte de duas crianças que tinham sido deixadas trancadas em casa. O fato causou uma comoção muito grande em Cachoeira, inclusive pelo risco efetivo que a cidade correu de,  no momento da tragédia, as chamas terem se espalhado por todos os demais casebres de palhas, o que teria catastrófico.  Antes, a rua era conhecida como parte do Largo dos Currais Velhos, por ser local usado para abrigar os tropas de burros que chegavam dos sertões para abastecer a vila e voltavam  carregados de produtos manufaturados adquiridos na vila.  O incêndio foi noticiado pelo jornal A ORDEM (edição de 17 de novembro de 1877) em um primor de texto jornalístico pela descrição objetiva dos fatos,  reproduzido em Salvador pelo jornal CORREIO DA BAHIA (edição de 20 de novembro de 1877), conforme o recorte abaixo :
O "Correio da Bahia" reproduziu notícia de "A Ordem"

A Rua do Fogo, como passou a ser chamada desde então, foi de fato um dos primeiros núcleos habitados pelos negros em Cachoeira. A "elite" de então habitava o núcleo central da vila, onde ficavam os sobrados habitados pelas famílias dos senhores de engenho e comerciantes da vila, e também os grandes armazéns que faziam do comércio cachoeirano o segundo maior da Bahia, por sua posição estratégica de entreposto comercial entre o litoral e o sertão. Segundo consta no site Cachoeira Online (cacaunascimento.blogspot.com.br) a área tem significativo valor histórico, pois está ligada diretamente à própria configuração geográfica desde os primórdios da antiga Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira:
A área urbana de Cachoeira é repartida em três zonas: a zona indígena (o Caquende), a zona construída pelo colonizador (a área da vila), e a área de expansão, destacando-se a Recuada (Currais Velhos, Bitedô, Rua dos Artistas, Rua Barão de Nagé e adjacências), que originou-se de núcleos residenciais fundados por africanos libertos. 

            Desde o incêndio, em 1877, os cachoeiranos chamam-na "Rua do Fogo"
(Foto: Cacau Nascimento)                             
Além dessa importância urbanística, a área em torno dos Currais Velhos está ligada às lutas pela Independência do Brasil.  Foi ali que na noite de 24 de Junho de 1822 o Coronel  Rodrigo Brandão acampou com a sua tropa, marchando na manhã seguinte até a Câmara, que reunida extraordinariamente aclamou o Príncipe Regente Dom Pedro de Alcântara como "Defensor Perpétuo do Brasil". O ato provocou o ataque de uma barca portuguesa, que disparou tiros de canhão contra a vila, dando início à fase da luta armada na conquista da Independência do Brasil, que seria consolidada somente em 2 de Julho do ano seguinte. A homenagem prestada a Rodrigo Brandão, dando-lho o nome à rua, deveu-se ao fato de que dali, ele partiu  para garantir suporte militar à Câmara de Cachoeira na decisão histórica.   

Barão de Belém
Rodrigo Antonio Pereira Falcão Brandão (1786-1855)
Nasceu  no Iguape, região da zona rural de Cachoeira onde ficavam os principais engenhos, sendo inclusive proprietário de um deles. Recebeu o título de Barão de Belém diretamente das mãos do Imperador  Dom Pedro I pela participação nas lutas pela Independência. Era Coronel  e na madrugada de 25 de Junho de 1822  entrou em Cachoeira  à frente de uma  tropa  para  garantir que o Senado da Câmara aclamasse o Príncipe Regente Dom Pedro de Alcântara.  Teve papel decisivo na Batalha de Pirajá e em 2 de Julho do 1823, integrando o Exército Libertador, entrou triunfalmente em Salvador, com a fuga dos portugueses que resistiam à Independência e controlavam a cidade. Mais tarde, já Brigadeiro, atuou em 1832  e em 1837/38 na defesa da legalidade e em  nome do Império reprimiu as revoltas republicanas de Guanais Mineiro, em Cachoeira,  e a Sabinada em Salvador, respectivamente. Morreu em 1855, tendo sido uma das vítimas da  epidemia de cholera morbus que assolou o Recôncavo. Foi enterrado no Convento de Santo Antonio do Paraguaçu, próximo ao seu engenho, no Iguape.  

quinta-feira, 7 de junho de 2012

UMA "BRAVA" VIÚVA CACHOEIRANA É ACUSADA DE TENTATIVA DE HOMICÍDIO


No longínquo ano de 1796 a viúva cachoeirana Victória Pereira de Menezes Brabo foi denunciada, e posteriormente julgada e absolvida, de cometer o  crime de tentativa da homicídio que teria sido praticado contra José Araújo Bacellar. O motivo foi provavelemente uma briga de família por disputa de terras, porque quem a acusou foi José da Silva Bacellar, certamente um primo do falecido marido dela. As informações a respeito deste assunto foram relatadas pelo Governador da Capitania da Bahia, Dom Fernando José de Portugal (o mesmo que alguns anos mais tarde viria a reprimir a Revolução dos Alfaiates, conspiração contra o Reino de Portugal que resultou no enforcamento de quatro negros na Praça da Piedade em Salvador) ao Ministro português Dom Rodrigo de Souza Coutinho, secretário de Estado da Marinha e do Ultramar, responsável pelo Conselho Ultramarino, órgão encarregado de administrar as colônias portuguesas na África, América e Europa. 

                                                (clique na imagem para facilitar a leitura)
 


Dom Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, foi num dos mais destacados diplomatas e burocratas a serviço do Reino de Portugal. Além de ter sido Ministro da Marinha e do Ultramar, cargo que ocupava à época dessa correpondência, ele foi mais tarde Primeiro Ministro de Portugal. Grande articulador político, negociou com a Inglaterra a transferência da Família Real Portuguesa para o Brasil, fugindo do imperador francês Napoleão Bonaparte. Em troca da proteção (uma esquadra inglesa escoltou as embarcações portuguesas até o Brasil), Portugal abriu os portos brasileiros aos navios mercantes ingleses, que pagavam taxas alfandegárias menores até mesmo do que os próprios navios mercantes portugueses. Dom Rodrigo, que veio acompanhando D. João VI, foi quem redigiu o texto da Lei de Abertura dos Portos às Nações Amigas e veio também a ser o primeiro ocupante do cargo de Ministro da Guerra de Portugal, já quando a Corte estava instalada no Brasil.    

D. Rodrigo de Souza Coutinho

sábado, 2 de junho de 2012

O PIONEIRISMO DE CACHOEIRA NA REFORMA DO ENSINO NO BRASIL COLONIAL

Com a expulsão dos jesuítas de Portugal e de todas as suas colônias, em 1759, sob a alegação de que a  Companhia de Jesus, ordem criada em 1534 por Ignácio de Loyola para difundir o cristianismo, tinha crescido demais e se constituía numa instituição maior e mais poderosa que o próprio Estado português, o  Marquês de Pombal - poderoso primeiro-ministro do Rei Dom José I - promoveu uma das ações que mais o consagraram como o controverso estadista que entrou para a História com o cognome de "désposta esclarecido": a reforma do ensino. Através de um Alvará Régio, modificou totalmente o sistema de ensino, até então entregue unicamente à ação evangelizadora e catequisadora (nas terras das colônias portuguesas na América, na África e na Ásia) dos jesuítas.
No Brasil as mudanças no ensino começaram a ser implementadas na Bahia, que era até então a capital do Brasil (só perderia este posto quatro anos mais tarde, em 1763, quando o Rio de Janeiro passou a ser a sede do governo português no Brasil). As primeiras mudanças no ensino determinadas pela reforma promovida pelo Marquês de Pombal foram implantadas na Cidade da Bahia (Salvador) e na Vila de Cachoeira, onde ficavam respectivamente o Colégio dos Jesuítas e o Seminário de Belém, os principais centros de ensino jesuíta no Brasil. É o que se constata nesta carta do Desembargador Thomaz Roby de Barros Barreto, encarregado de promover as alterações na colônia. No documento, transcrito nos Anais da Biblioteca Nacional, ele justifica os motivos pelos quais iniciava a reforma educacional pela Bahia,  para daí disseminar as mudanças em toda a Colônia.
 (clique na imagem para facilitar a leitura)
Anais da Biblioteca Nacional (Volume 31 páginas 375/376-1906)

O Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Mello, 1699 - 1782) é uma das figuras históricas mais controversas e carismáticas de Portugal, sendo considerado por muitos um tirano e opressor. Como ministro do Rei D. José I, adquiriu plenos poderes para governar depois que comandou a reconstrução da Lisboa, praticamente destruída pelo terremoto de 1755. De perfil autoritário, era também um excelente gestor e no seu  longo período de governo absolutista reformou a estrutura do Estado português, executando ações nas áreas política, econômica, social, administrativa, diplomática e religiosa. Com elas buscou o fortalecimento do Poder Real para tornar o país mais próximo das modernas e desenvolvidas nações européias. Entre suas medidas, decretou o fim da escravidão na parte continental do Reino e enfraqueceu o poderoso Santo Ofício (Inquisição), submetendo-o à tutela do soberano. Entre as reformas que implantou destaca-se sobretudo a educacional, tirando-a da esfera religiosa e alterando o conteúdo do ensino, inclusive com a adoção de novos livros didáticos, como gramáticas e dicionários. No âmbito administrativo criou o cargo de  Diretor Geral dos Estudos, que tinha como função vigiar o progresso dos estudos e elaborar um relatório anual da situação do ensino. Criou também uma Aula de Comércio (curso),  primeiro estabelecimento de ensino oficial no mundo a ministrar  a Contabilidade de uma forma técnico-profissional. Também fortaleceu o ensino superior em Portugal, embora tivesse proibido universidades nas colônias. Suas atitudes  para com o Brasil sempre foram no sentido de fortalecer o sistema colonial. Reprimiu iniciativas pró-independência, aumentou a cobrança de impostos e manteve a proibição de que aqui fossem implantadas manufaturas (fábricas) e a impressão de livros e jornais.

Marquês de Pombal,  o "déspota esclarecido".
Pombal não só expulsou os jesuítas de Portugal e de todas as suas colônias como mandou prende-los e confiscou todos os seus bens, que passaram para o domínio da Coroa Portuguesa. Um dos estabelecimentos fechados foi o Seminário mantido pelos jesuítas na localidade de Belém, em Cachoeira. Tinha sido fundado em 1686 e nele estudaram os irmãos Bartolomeue  Alexandre de Gusmão e Frei Galvão.

O Seminário de Belém era um dos maiores centros da educação jesuítica no Brasil Colonial.